A mala do filho pródigo

Por David Moreno

 

Entre as parábolas contadas por Jesus, a do filho pródigo  (Lucas 15:11-32) além de fácil compreensão em relação ao seu significado,  é  uma  estória  bonita e com final feliz.

Em resumo fala de um jovem que  um dia   disse ao pai:

– Dá me a parte da fazenda que me pertence. (Lc 15.12)

Recontarei  a  parábola   utilizando elementos de nossa época.

Depois que o pai mesmo insatisfeito concordou com a partilha e trouxe  o  montante em dinheiro,  o filho   rapidamente foi ao Banco do Brasil para abrir uma conta.

Obviamente não queria manter o dinheiro em casa.  Temia assaltos, já que até  transportadoras estavam sendo roubadas. Preferiu também não fazer a movimentação online com receio de “hackers”  interceptarem a comunicação e tentassem cometer fraude.    Foi muito bem atendido, principalmente quando declarou montante que tinha disponível.

Solicitou um  Cartão de Crédito “Ourocard”, para situações de  emergência, já que ele planejava  fazer uma viagem,  sem data especifica de  retorno.

Foi ao  shopping mais próximo. Comprou uma mala “Samsonite”, com garantia de 5 anos.  Teve certeza de que não era feita na China, para não passar vergonha nos aeroportos.

Comprou acessórios  como bolsa tipo pochete para guardar documentos,  máscara para dormir no avião, travesseiro inflável e um  tablete com wi-fi  pré-pago por dois anos. Teria  conexão disponível  em qualquer lugar do mundo a qualquer hora.

Passagem comprada,   iria  cuidar da  bagagem.  Não levaria muita coisa. Duas calças jeans, duas camisetas, uma camisa social, um boné,  chinelos Havaianas,  toalha de banho,  escova de dente, comprimido para dor de cabeça, meias e  uma gravata, embora  tenha pensado se haveria  ocasião para usá-la.  Comprou um relógio Citizen Eco Drive que não necessitava de bateria.

Sua mãe  triste por causa da decisão do filho,  deu  uma  ultima  verificação na mala   e  descobriu  que o sabonete preferido do filho não  havia sido colocado.  A mãe dele  embora não seja  mencionada na parábola, na nossa história, é uma mulher  detalhista e sofreu tanto quanto o pai.

E, poucos dias depois, o filho mais novo, ajuntando tudo, partiu para uma terra longínqua. (Lc. 15.13)

Para evitar choros, despedidas emocionantes, perguntas e recomendações sem fim, o jovem preferiu que os pais e o irmão mais velho não fossem ao aeroporto. Chamou o Uber pelo aplicativo.

No aeroporto procurou o portão  de embarque para Atlanta, no sul dos  Estados Unidos.   Ele não revelou a ninguém seu destino, a não ser o país. Alguns tentaram adivinhar.

– Disneylândia? Cidade de Nova York?  Montanhas do Colorado? Califórnia?  Miami?

No entanto ele não dizia sim ou não, aumentando o mistério.

Não  se  importou  com os sentimentos alheios.  Havia assistido documentários sobre   o comportamento das  aves. Quando o filhote tinha  capacidade para voar,  davam  um empurrãozinho para o primeiro voo.  Assim  aquele jovem se  sentia.  Um filhote fora do  ninho,  orgulhoso de sua decisão.  Obviamente preferia ter viajado com seus próprios recursos financeiros, mas como não tinha, preferiu usar a parte da herança.

A aventura continua

O Boeing pousou em Atlanta trazendo o  filho prodigo moderno.   Feita a conexão, seguiu   em direção a Las Vegas, estado de Nevada.

Quando chegou, desde o desembarque, tudo era novidade. Geralmente dizia que era melhor do que em seu país de origem.    Teve dificuldade com o  idioma  a principio, pois lia uma palavra e a pronuncia era outra.

As pessoas  demonstravam felicidade. Estavam sempre rindo  ou sorrindo.  O taxista que o conduziu  sorria cordialmente durante o trajeto.   Até o carro parecia melhor que os da sua terra.  Fazia  menos barulho, pulavam menos, freavam suavemente. O transito fluía e todos respeitavam a faixa de pedestres.

O porteiro do hotel  onde havia reservado  via internet, retirou a mala do táxi   com um sorriso cordial. A recepção  foi fantástica.  Foi recebido com honrarias, flores, caixa de chocolate e até balões infláveis com  seu nome gravado. Não se lembra de ter sido tratado com tanta honra.

Pensou  consigo:

 –  Isto aqui parece um  Paraíso terrestre.

Enquanto descansava no quarto do hotel, lembrou-se da pátria  – filas nos bancos, greves, trânsito caótico, arrastões de trombadinhas, inflação, manifestações politicas  contra ou  a favor do governo,  desemprego,  corrupção, sujeira, pichação de mau gosto nos muros e pontes.   Nem quis pensar  mais no assunto  para não   contaminar sua mente com negativismo.

No dia seguinte, tomou um café da manhã, que o sustentou o dia todo.  Frutas da  mais alta qualidade, geléias de sabores exóticos, café  com sabores ,  variedades de pães,  biscoitos importados , ovos fritos, bacon, etc. Experimentou pela primeira vez  panqueca doce coberto com  xarope  extraído de uma arvore do norte do país. (maple syrup)

Checou o correio eletrônico. Alguns amigos  curiosos  perguntavam onde estava.   Respondeu superficialmente  aos amigos sem revelar onde estava, Havia uma mensagem de seu pai perguntando com  foi a viagem, mas  nem  importou em responder.

Com os bolsos  cheios de dólares e cartão de crédito disponível  começou  a  sonhada aventura com uma  excursão ao Grand Canyon.

No  dia seguinte  entrou num Cassino.  Não  sabia como funcionava, mas  entusiasmado apelou para a sorte.  Como havia  gente grã fina,  para impressioná-los  fazia apostas ousadas e não  demonstrava raiva  quando perdia.

No  final do dia  chegou a conclusão que a sorte não bateu a sua porta.   Contabilizou o prejuízo.

A  vida é  mesmo assim. Um dia a gente perde, mas no outro ganha.

Naturalmente não faltaram bebidas durante sua permanência no cassino. Estranhou que o preço de uma dose, era quase equivalente a uma garrafa inteira comprada no supermercado.

Na outra noite estava programado ir  um dos shows mais concorridos da cidade. Foi um espetáculo de musica, cores, danças, luzes. Ficou vidrado, que mal pode dormir.

–  Quantos prazeres me esperavam, e eu na casa de meu pai,  com aquela “vidinha”  rotineira.   Trabalho, escola, casa.   Escola,  trabalho, casa.    

No dia seguinte  sentindo-se cansado de divertir (?) preferiu ficar na piscina do hotel desfrutando o Sol, a água,  bebidas, companhia de gente saudável e obviamene,  com pouca roupa.  Já acostumado com o idioma, conseguiu  fazer novas  amizades.

O  que ele mais admirou nestes “novos amigos”, é  que  pareciam  não terem  preocupações,  compromissos  e  problemas.   Eram pessoas que   não  gostavam de falar do passado e não se preocupavam com o futuro.  Viviam intensamente  o presente.

Os  amigos o introduziram a uma garota loira, esbelta, educada,  e que dizia ser  filha de fazendeiro.  Porém esta informação nunca pode ser confirmada se era real.

A paixão que ele sentiu foi do tipo vulcão em erupção. Difícil de apagar a chama e entrar em extinção.  Durante os dias que estiveram  juntos desfrutaram de  muita diversão, e obviamente, contatos sexuais.

Porem ela e seus amigos  eram  usuários de  drogas. Rolava de tudo:  maconha, cocaína, crack, injetáveis, etc.

Nunca havia experimentado drogas. Os amigos  ofereceram as primeiras doses  grátis, o que foi uma isca perfeita.   Alertaram que  deveria comprá-las  depois.

Disseram uma frase que o impressionou

– A vida é  uma só.  Devemos aproveitá-la enquanto podemos.

Depois de uma semana de intensa atividade e  muita adrenalina  parou para fazer  um balanço dos  recursos financeiros que dispunha. Notou que havia extrapolado, e bastante.

A fim de esticar o dinheiro que  restava, transferiu para outro  hotel  mais  barato.

E ali desperdiçou a sua fazenda, vivendo dissolutamente.  (Lc 15.13) O  dinheiro acabou.  Começou a usar o cartão de crédito, sem  imaginar quando e como pagaria.   Quando os pagamentos foram rejeitados,  não houve outra alternativa.   Vendeu  pertences  pessoais  – óculos Ray Ban, tablete, relógio, corrente,  telefone.   Até a mala foi na barganha.  Afinal para que precisaria de mala se não tinha bagagem?

A loja de penhor  pagou apenas uma fração do que valiam, mas  estava aliviado ao ver  dinheiro novamente.   Revelou aos amigos sua situação. , Pediu lhes para arrumar  um quartinho apenas para dormir.

Com o dinheiro que arrecadou, pagou  o debito pendente no  hotel.   Dormia nos bancos, calçadas, monumentos.  Las Vegas não é São Paulo,  onde os sem teto  têm suas barracas e   até cachorro como companheiro.  E por falar  em companheiros, seus “ amigos” desapareceram como  nuvem passageira.  A namorada terminou   assim que soube da  situação financeira decadente. O vulcão  extinguiu  e só cinzas prevaleceram.

E, havendo ele gastado tudo, começou a padecer necessidades (Lc 15. 14 parte A e C. Agora o brilho da cidade já não lhe atraia. As pessoas passavam por ele e  sequer olhavam. A barba e o cabelo cresceram.  Parecia mais um mendigo.

Sua aparência foi deteriorando rapidamente. Banhos  eram  semanais.  A roupa era a mesma todos os dias.  Os dentes  amarelaram com a nicotina e falta de escovação. Os olhos  vermelhos e fundos como se não tivesse dormido durante a noite.

Tudo que lhe restou foi a carteira (vazia), o  passaporte , um par de chinelos Havaianas, e uma bolsa de tecido que comprara numa loja  de souvenir, assim que chegou com a estampa:  Greetings from Las Vegas. Aliás, esta bolsa  a noite  era  seu travesseiro.

Nas primeiras horas da manha ficava na porta do Mc Donald na esperança de que alguém lhe comprasse  um hambúrger.

Tentou arrumar um emprego, mas diziam  que sendo estrangeiro, não era licito empregar-lhe.    Tentou  até  trabalho na limpeza de banheiros com companhias terceirizadas, e nem assim lhe davam.

Enquanto isso via  nos fundos dos hotéis e restaurantes panelas cheias de comida serem lançadas no lixo, mas  não davam os mendigos nem permitiam lhe recolhessem   com medo que  pudessem ter uma contaminação estomacal e  processar o  estabelecimento.

A solução foi pedir esmolas. Tinha que fazer discretamente, pois os  oficiais da cidade não permitiam sob pena de ser  preso  por  vadiagem.

Certa noite dormindo debaixo de  uma ponte, com o estomago vazio e  mosquitos picando as partes descobertas do seu corpo,  olhava atentamente  para a lua cheia e as estrelas .   Veio a sua mente recordações que fizeram chorar.

E eu aqui pereço de fome – Lc. 15.17.  Lembrou dos pais.   Do irmão mais velho, ainda que  implicante e  ranzinza.   Da casa confortável, de quarto e  cama macia.  O que mais lhe atormentava era lembrar da   geladeira.  Yogurte e requeijão sempre abundantes.  Manava  leite e  mel.  Delirava  ao lembrar do pastel de feira, frito na hora com caldo de cana gelado.

No dia seguinte, tomou  a decisão.  Levantar-me-ei e irei ter com meu pai.  (Lc 15.18) Já que havia vendido  o tablete com wi-fi. Outro  mendigo  mais  privilegiado  tinha um telefone capaz de  enviar um email e lhe ajudou.

Descreveu sua situação ao pai. Que  desejava voltar, mas tinha um problema, ou melhor, vários.  A passagem que comprara  tinha data de retorno mas havia vencido e  para revalidar precisaria pagar uma  taxa de 40% do valor da passagem.

Horas depois  o pai lhe enviou uma mensagem dizendo que  fizera uma transferência  internacional de valor   suficiente para  o retorno.   O jovem  sem demora, retirou  o dinheiro, comprou  três  sanduiches, já  que sua fome era de leão.  Dois dias depois embarcou no avião que o   traria de volta a casa do pai. Constantemente vinha a sua mente:

– Já não sou digno de ser chamado seu filho (Lc. 15.19)

O pai e a mãe  foram  lhe esperar no aeroporto. O irmão mais velho deu uma desculpa qualquer e disse que não podia ir.   Os pais trouxeram   uma faixa especialmente confeccionada para a ocasião.

–  Hoje vai ter festa em casa!

De longe os olhos do pai aguardava  na  rampa de desembarque , quando o avistou de longe o reconheceu  apesar da aparência e da roupa amarrotada.    Depois de abraçar e beijá-lo  reparou que  não tinha bagagem. Na  mão  trazia apenas uma sacola de tecido barato com  a  estampa –  Greetings from Las Vegas  (Lembrança de Las Vegas)

O artigo foi publicado originalmente  no site www.artigos.com   e na Revista Shalom  News (www.issuu.com)

Nascido em São Paulo, na região do Brooklyn, viveu em Pirituba, zona norte e depois definitivamente na região sul, no Alto da Boa Vista. Converteu-se ao Evangelho em 1986 e batizado nas aguas. Tendo antes colaborado em alguns jornais de bairro da zona sul, passou a escrever matérias com assuntos relacionados a fé evangelica. Teve artigos publicados na Revista Jovem Cristão (CPAD), Seara, Mensageiro da Paz, Brado de Guerra (Exercito da Salvação) e O Testemunho (IPDA), sendo o editor por um periodo desta publicação. Lançou o primeiro Livro A Igreja do Futuro, em 2016 e Até os confins da terra, em 2017. Um novo livro está sendo preparado - E poucos creram. O livro narra a implantação de igrejas na Australia. Colabora com o site www.artigos.com com atualmente 75 artigos. Passa a colaborar com a Rede Pentecostal a partir de Marco de 2018. Tendo trabalhado como missionario residente em Lesotho, Africa do Sul e Australia, fez curtas missões ao Japao, Filipinas, India e Nepal. Atualmente lidera com a esposa, Missionária Erinea, a Igreja Shalom em New Jersey, Estados Unidos. No Brasil, na região da Serra-Es, estão implantando um projeto social Shalolm Life de assistencia a crianças e moradores de rua.